sexta-feira, 27 de junho de 2008

Retoques

Então a menina descobriu que o mundo não existia, ele era feito de retoques. As pinturas nos prédios, a maquiagem, os cremes de beleza, as telas mais famosas, os livros, as fotos de revista... nada era real, era tudo photoshop...
O belo puro e simples já não existia, ele estava retorcido, com a cor trocada, com as formas um pouco mais arredondadas, com a luz mais amarelada e tantos outros ajustes a mais.
"Será que algum dia o mundo voltará a ser somente o mundo, sem nada que faça ele parecer outra coisa?" Acho que não... só dentro de algumas pessoas, só dentro dela mesma.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Senhora Dona

Esses dias o 'predero' veio aqui em casa de novo. “Dona Marina, eu falei pro Seu Sérgio que eu não sabia colocar o boxe, mas ele falou pra eu dar um jeito. Ai eu tive que colocar, né Dona Marina, mas eu sabia que não ia ficar bom... deixa eu ver o que aconteceu”.
Estranho esse tipo de respeito, não? Eu não sou dona, nem sequer trabalho tão duro quanto ele, mas ele me trata como se eu fosse superior... ruim, não sou superior, não sou inferior... sou igual. O tratamento dele é bem diferente dos negos da produção do filme que estão gravando aqui no meu prédio. Esses aí, muitas vezes não são nem assistentes, entram na minha casa todo dia, me vêem todo dia e é raro ouvir um cumprimento sequer.
Por que as pessoas tem a mania de se colocarem em degraus só pelo que elas fazem? Eu, hein! Odeio tratar os outros de maneira diferente e odeio que me tratem assim. No fim todo mundo acaba no mesmo lugar: debaixo da terra. É, bem mórbido assim mesmo. Mas não é verdade?
“Pronto, Dona Marina, espero que fique bom agora o boxe. Qualquer coisa pode me chamar de novo. Bom final de semana pra senhora.” É, o boxe realmente ficou bom, acho que eu vou ligar só pra agradecer.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Quem sou eu hoje que não serei mais amanhã:

Quis nunca te perder
Tanto que demais
Via em tudo o céu
Fiz de tudo o cais
Dei-te pra ancorar
Doces deletérios

E quis ter os pés no chão
Tanto eu abri mão
Que hoje eu entendi
Sonho não se dá
É botão de flor
O sabor de fel
É de cortar.

Eu sei é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim
Do que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu, muito bem...

Quis nunca te ganhar
Tanto que forjei
Asas nos teus pés
Ondas pra levar
Deixo desvendar
Todos os mistérios.

Sei, tanto te soltei
Que você me quis
Em todo lugar
Lia em cada olhar
Quanta intenção
Eu vivia preso!

Eu sei, é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim.
Do que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu
O que eu queria, o que eu fazia, o que mais,
Que alguma coisa a gente tem que amar, mas o quê?
Não sei mais!

Os dias que eu me vejo só são dias
Que eu me encontro mais e mesmo assim
Eu sei tão bem: existe alguém pra me libertar!

Condicional - Los Hermanos
Composição: Rodrigo Amarante

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Conto de fadas

Um dia ela acordou, abriu a janela e se apaixonou pelo sol. Seus olhos brilharam, desse jeito bem piegas, como de qualquer pessoa apaixonada. Logo ela, que tinha tudo, mas todas as manhãs acordava triste. Logo ela, que era tão controlada e segura de si. Descontrolou.
Saiu pela rua e olhou para tudo que acontecia a sua volta. Carros, pessoas, plantas, roupas, asfalto, prédios, vidros, sapatos, pegadas, poças, folhetos, anúncios, pinturas, muros, faixas... e tudo mais que só ela podia ver daquele jeito. Sentou na praça em frente a sua casa e olhou para o sol.
Ficou ali olhando para o sol até ele ir embora. Quando isso aconteceu, ela voltou para casa e sentiu a tristeza de se perder uma paixão. Porém, por mais incrível que pareça, a tristeza a deixou feliz. Era a primeira vez que sentia tanta coisa num único dia.
Nesse exato momento, ela se deu conta de que não importava se teria o sol ou não. Nem todo conto de fadas tem um final feliz, o dela não precisava ter também. Ela só precisava ter ela mesma e todas as coisas do mundo, do jeito que elas são, no lugar em que elas estão. E isso bastava. E isso era a felicidade.
Puxou o cobertor da cama, ajeitou o travesseiro e foi fechar a janela. Foi quando ela olhou para o céu e se apaixonou pela lua.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Linha Vermelha

Ela abriu a bolsa de verniz e tirou um pequeno estojo preto. Pegou o espelho, abriu o estojo e começou a passar sua maquiagem. Engraçado como as coisas são, né? Eu sempre faço isso no metrô, mas foi estranho ver aquilo. Era como se eu estivesse assistindo eu mesma.
Primeiro ela pintou as pálpebras de azul. Depois delineou os olhos com um lápis preto bem forte. Aeromoça? Não, não estava indo na direção do aeroporto. Ficou muito tempo passando o lápis e corrigindo os riscos no espelho. Secretária? Acho que não, seu vestido era sério e reto, mas curto demais para se usar num escritório.
Guardou o lápis, checou os detalhes no espelho. Pegou o rímel. Puta? Não tinha postura pra isso e, apesar das sandálias de salto vermelhas de verniz, era recatada, talvez até retraída. Passou a tinta preta nos cílios para que ficassem curvos. Dona de casa? Definitivamente não. Tinha feição de mulher independente, trabalhadora, nem tanto.
Para finalizar a obra, abriu o batm cor de carmim e não passou por todo lábio, apenas corrigiu pequenas falhas. Seria eu mesma? Quem sabe! Eu espectadora de mim. Quantas eus existem pelo metrô?
Colocou os óculos escuros, encostou a cabeça e fechou os olhos pintados.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Feliz dia dos não-namorados

Ele: "Quando eu chego em casa nada me consola, você está sempre aflita. Lágrimas nos olhos de cortar cebola, você está tão bonita. Você traz coca-cola eu tomo, você bota a mesa eu como, eu como, eu como. Eu como eu como, você"

Ela: "Você não está entendendo nada do que eu digo. Eu quero ir embora, eu quero é dar o fora. Eu quero que você venha comigo todo dia, todo dia."

Eles: Os opostos dispostos que se atraíram.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Cotidiano I

Toca o interfone.
"Alô, bom dia!"
"Oi, quem tá falando?"
"É a Marina."
"Marina, é o pessoal do apartamento 91."
"Moço, eu sou do apartamento 91."
"Ah... é o 'predero'."
"Pode mandar subir."

E assim se faz a comunicação.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Ode à futilidade

No pequeno espelho cor-de-rosa olho as imperfeições de um roso marcado pelas inquietações do viver. Sim, eu sei que rugas, espinhas e marcas de expressão não são nada perto das marcas dentro de d'alma de um ser. Mas, por que isso me incomoda tanto? Incomoda tanto quanto a ignorância sobre algum assunto novo, quanto a falta de fôlego pra correr, quanto a falta de privacidade dentro de pequenos universos cotidianos, quanto a vontade de ter algo que não se pode. Incomoda porque me deixa insatisfeita, porque se choca com o meu padrão de correto, belo e admirável...
Eu odeio admitir que o meu ser está tão ligado aos padrões da sociedade moderna (ou pós-moderna), mas ele está. Droga! Quer saber... todos os seres estão e isso me conforta. Olho a rua pela janela do ônibus e ligo o rádio de novo em alguma estação pop.

sábado, 7 de junho de 2008

O Começo

Eu quero o mundo. Não adianta me pedir para não querer, não adianta me falar que é impossível. Eu quero o impossível. Todos queremos o impossível. A vida é feita disso. Eu não quero o tudo, o tudo é fácil. Difícil é querer o nada. Difícil é falar sobre nada. Difícil é não ter foco em nada. Assim sou eu. Assim é a vida. Assim é este blog. Tudo sobre nada! A descontrução de qualquer linha reta, de qualquer fio de meada. Pensamentos, idéias e escritos feitos n'água.